Ondas Gravitacionais

N. Branco, A. N. Kanaan, P. Klimas, P. J. Liebgott


O que são ondas gravitacionais?

Ondas gravitacionais foram previstas por Einstein na teoria da gravitação dele, conhecida também como Teoria da Relatividade Geral (RG). Esta teoria explica a força gravitacional entre os corpos materiais através da ideia de que as massas deformam o espaço-tempo e esta deformação é experimentada por outros corpos.  Todos os corpos materiais e até mesmo a luz movimentando-se no espaço-tempo curvo são desviados da linha reta.  Assim, por exemplo, a curvatura do espaço-tempo causada pela presença do Sol é experimentada por todos os planetas do sistema Solar fazendo com que eles girem em volta da estrela.

O conteúdo da RG pode ser resumido nas famosas equações de Einstein que relacionam curvatura do espaço-tempo com a distribuição de matéria. Existem varias soluções interessantes estáticas ou estacionarias das equações de Einstein que descrevem espaço-tempo em torno de buracos negros ou ate a expansão do Universo. As equações de Einstein possuem também uma solução em forma de ondas que viajam com a velocidade da luz.  Estas ondas foram chamadas ondas gravitacionais. Existe uma grande diferença entre ondas gravitacionais e ondas eletromagnéticas (luz visível, raios X,…). Enquanto as ondas eletromagnéticas representam oscilações do campo eletromagnético (que em si mesmo é nada mas do que uma forma de matéria) as ondas gravitacionais representam oscilações do próprio espaço-tempo!

O que Einstein previu na Teoria da Relatividade Geral?

A Teoria da Relatividade Geral não falsificou de maneira alguma a teoria da Gravitação do Newton. Pelo contrario, ela ajudou entender melhor os limites da aplicação da teoria velha. Limitando-se apenas aos efeitos gravitacionais fracos a teoria de Einstein reproduz a teoria de Newton. No entanto, como a RG é uma teoria mais ampla ela levou a previsão de efeitos novos.

O primeiro triunfo da RG foi o cálculo, feito por Einstein, da precessão da órbita de Mercúrio. Desde o século XIX sabia-se que o eixo da órbita de Mercúrio avança 575 segundos de arco por século (um segundo de arco corresponde ao ângulo da seção gerada ao dividirmos, igualmente, uma circunferência em 1.296.000 partes). No entanto, a Mecânica Newtonia obtém 532 segundos de arco por século. Einstein conseguiu calcular esse avanço com exatidão.

Como a presença de massa deforma o espaço-tempo, Einstein também previu que a luz vinda de uma estrela seria defletida pela massa do Sol, chegando até nós através de uma trajetória aparentemente curva. Em 1919, expedições inglesas à Sobral, no Ceará e à São Tomé e Príncipe, na África, fotografaram o céu ao redor do Sol, durante um eclipse e confirmaram as previões de Einstein para a deflexão da luz por um campo gravitacional.

O terceiro teste proposto por Einstein afirma que a frequência das ondas eletromagnéticas emitidas a partir de uma região com campo gravitacional forte são reduzidas quando observadas em uma região de campo gravitacional mais fraco. Para a luz visível, a frequência das ondas está associada com sua cor. Por exemplo, a luz de cor azul possui frequência maior que a luz de cor vermelha. Esse efeito, conhecido como desvio gravitacional para o vermelho, foi comprovado com grande precisão entre 1959 e 1964. Este efeito é uma prova de que o tempo corre diferente em campos gravitacionais com a intensidade diferente. Para um aparelho GPS funcionar corretamente mantendo a sua precisão este efeito precisa ser obrigatoriamente levado em conta! Assim podemos ver que hoje dia a teoria da RG é verificada constantemente por todos os usuários do GPS.

Um ultimo fenômeno previsto pela RG foram as ondas gravitacionais. A confirmação direta deste efeito ocorreu exatamente cem anos depois da publicação da RG.

As ondas já haviam sido detectadas anteriormente?

As ondas gravitacionais fornecem um mecanismo de irradiação da energia armazenada num campo gravitacional (mecanismo que não existe na teoria da gravitação de Newton) o que levou a uma confirmação indireta da Teoria da Relatividade Geral. Segundo a teoria da RG a perda da energia manifesta-se em variação do período de um sistema binário (duas estrelas).  Observando um sistema binário de estralas de neutron PSR B1913+16  Hulse e Taylor provaram indiretamente a existência das ondas gravitacionais (Premio Nobel 1993). A experiência realizada no detector LIGO constitui uma detecção direita.

Como elas foram observadas?

Como a presença de uma onda gravitacional corresponde a oscilações do espaço-tempo, sua detecção direta se dá ao mensurarmos essas variações. Por exemplo, poderíamos monitorar o comprimento de uma barra, o qual deve oscilar na presença de uma onda gravitacional. No entanto, esse efeito é extremamente pequeno e atualmente impossível de ser medido.

O LIGO – laser interferometer gravitational-wave observatory  (leia o anúncio da descoberta em https://www.ligo.caltech.edu/news/ligo20160211) – é um interferômetro montado dentro de um túnel de 4km em formato de L.  Luz é refletida de um lado a outro dos túneis, formando um padrão ao se juntarem em um anteparo. Uma pequena variação do comprimento dos braços (ou seja, da distância percorrida pela luz) altera o padrão da luz resultante no anteparo (veja https://www.youtube.com/watch?v=tQ_teIUb3tE).  O LIGO pode detectar variações no comprimento de seus braços de 1E-19m (10 na menos 19 metros), isso é um um décimo milésimo do diâmetro de um próton!

Muitas outras coisas podem causar tais deformações nos braços do interferômetro LIGO.  Por isso existem dois interferômetros separados por 4.000km de distância.  A detecção da onda gravitacional ocorreu em ambos interferômetros com uma defasagem de 7 milisegundos de um para o outro.

Outros observatórios podem detectá-las?

Poderiam se fosse um evento de maior intensidade ou mais próximo.

No Brasil desde 2006 o pesquisador Odylio Aguiar do INPE e seus colaboradores criaram o detector de ondas gravitacionais “Mario Schenberg” ( http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=3200 ).  A sensibilidade deste detector é menor que a do LIGO.

A “sorte” do LIGO foi esse evento que gerou a detecção das ondas.  Atribui-se as ondas a fusão de um par de buracos negros em uma galáxia a mais de 1 bilhão de anos luz de distância.  É importante lembrar que a única informação que chegou a nós desse evento foram as ondas gravitacionais.

Por que a detecção direta das ondas gravitacionais é importante?

A teoria da relatividade geral já era, há muito tempo, bem estabelecida através dos testes propostos por Einstein. No entanto, essas confirmações envolvem fenômenos ocorrendo em um espaço-tempo estático, ou seja, cuja forma não se altera com o tempo.  A obeservação das ondas gravitacionais constitui-se na primeira confirmação da relatividade geral através de um fenômeno não-estático.

Outro aspecto importante é que a maioria dos testes da RG originam-se de de fenômenos de baixa intensidade. As próprias ondas gravitacionais são previstas em um certo limite no qual os campos gravitacionais são considerados fracos. No entanto, as ondas observadas recentemente provém de um evento de extrema intensidade, a colisão de dois buracos negros. Estudar e testar a RG em campos gravitacionais fortes é ainda um frutífero campo de pesquisa em física.

Elas agora poderão ser detectadas regularmente? Com que frequência elas ocorrem?

A equipe do LIGO estima 40 detecções por ano ( https://www.ligo.caltech.edu/page/faq ).  Estima-se que em uma galáxia como a nossa um evento de fusão de estrelas como este detectado pelo LIGO ocorra um vez em cada 10000 anos.

Qual o impacto da descoberta?

Na maioria das vezes, o impacto social de uma grande descoberta em física não é claro. Um excelente exemplo é a descoberta de ondas eletromagnéticas, ocorrida em 1887. Apesar de, na época, não haver clareza quanto suas possíveis aplicações, hoje estamos cercados de equipamentos eletrônicos, cujo funcionamento se baseia em ondas eletromagnéticas, como televisores, celulares, microondas, etc. Esse espírito é bem caracterizado na seguinte história. Reza a lenda que ao demonstrar a indução eletromagnética que acabara de descobrir, Faraday foi questionado pela Rainha: para que serve tal descoberta? Faraday prontamente respondeu: Para que serve um recém nascido? Hoje, o fenômeno descoberto por Faraday é responsável, por exemplo, pela geração de energia elétrica e pelo funcionamento do motor elétrico.

Eventualmente, as ondas gravitacionais podem resultar em importantes aplicações no futuro. Além disso, a sociedade, em geral, pode se beneficiar da tecnologia desenvolvida originalmente para experimentos como esse.

Com a descoberta, é possível saber o que aconteceu no Big Bang?

O limite observacional do universo hoje é a radiação cósmica de fundo que começa a aparecer uns 400,000 anos depois do big bang.  Antes desses 400,000 o universo era opaco e a luz não podia atravessar a matéria, assim é impossível enxergar através desse material e obter qualquer informação mais antiga através de radiação eletromagnética.

Ondas gravitacionais atravessam tudo, em princípio poderemos com elas chegar próximo do tempo zero, se é que tal coisa realmente existe. Ainda falta muito para que detectores de ondas gravitacionais possam detectar ondas gravitacionais do início do universo.  No próximo ano vamos passar por testes e mais testes dos resultados apresentados agora.  E se tudo correr bem esperamos que se descubram muitos outros eventos ao longo deste ano.